
O ex-primeiro-ministro José Sócrates afirmou quinta-feira que o juiz Ivo Rosa “não tem o direito” de o pronunciar por crimes de branqueamento de capitais, alegando que não constavam da acusação da Operação Marquês.
“[O juiz de instrução Ivo Rosa] não tem o direito de me indiciar de crimes novos que não estavam na acusação, porque o juiz não acusa de novo. Estes crimes de branqueamento de capitais não são os que estavam” na acusação do Ministério Público, referiu o antigo governante em entrevista ao Jornal das 8 da TVI.
Na mesma entrevista, José Sócrates referiu que se vai “defender destes factos e dessa imputação”, numa alusão a um crime de corrupção que não constava na acusação, mas que foi apontado pelo juiz de instrução, que o declarou, porém, prescrito, embora relacionado com a pronúncia por branqueamento de capitais.
“Durante estes sete anos, esse crime nunca me foi apresentado como sendo um crime que tivesse cometido e diante do qual eu pudesse me defender”, afirmou José Sócrates, ao considerar que, durante este período, provou que era “falso” que fosse “dono de alguma fortuna escondida”.
O ex-primeiro-ministro salientou ainda que “todos estes dinheiros que se fala” na pronúncia referem-se aos empréstimos que o seu amigo e também arguido na Operação Marquês Carlos Santos Silva lhe concedeu nos anos de 2013 e 2014, já depois de abandonar o cargo de primeiro-ministro.
“Eu nunca pratiquei nenhum acordo com o engenheiro Santos Silva relativamente a um comportamento menos honesto, mas quero recordar que este crime [corrupção ativa sem demonstração de ato concreto] já não existe no nosso código penal. Esse crime foi substituído por outro que agora se chama recebimento de vantagem indevida. Deixou de haver o crime de corrupção sem ato”, disse.
José Sócrates observou ainda que, depois de sair do cargo de primeiro-ministro, fez “algumas coisas” a pedido de Carlos Santos Silva, apontando o exemplo da Argélia.
“Fiz para ele e para empresa Lena como fiz para outras várias empresas. Julguei que era o meu próprio dever fazê-lo. Vários empresários me pediram ajuda para contactar pessoas. Isso não me parece que possa ser considerado uma atividade que possa levantar o mínimo de suspeita. Todos os antigos primeiros-ministros fazem isso e fazem isso para a defesa do interesse das empresas portuguesas”, considerou.
Sobre Ivo Rosa, o antigo primeiro-ministro disse que não tem “nenhuma simpatia nem nenhuma antipatia”, considerando que foi “um juiz escolhido segundo as regras da lei, coisa que não aconteceu com o juiz Carlos Alexandre”.
A investigação do processo Operação Marquês começou em 2013, o antigo primeiro-ministro José Sócrates foi detido em novembro de 2014, chegou a estar em prisão preventiva, e três anos depois (2017) foi deduzida a acusação.
O Ministério Público acusou 28 arguidos de um total de 188 crimes económico-financeiros, dos quais 31 imputados a José Sócrates.
A fase de instrução do processo durou mais de dois anos – de 28 de janeiro de 2019 até 02 de julho 2020, quando terminou o debate instrutório, tendo a decisão instrutória sido conhecida no passado dia 09 de abril.
Ivo Rosa determinou que Sócrates seria julgado por três crimes de branqueamento de capitais e três de falsificação de documentos, juntamente com o seu amigo e empresário Carlos Santos Silva a quem o juiz deu como provado que corrompeu o antigo chefe de Governo, configurando um crime [corrupção ativa sem demonstração de ato concreto] que considerou prescrito.
Dos 28 arguidos do processo, foram pronunciados apenas cinco: o ex-presidente do BES Ricardo Salgado, por três crimes de abuso de confiança o antigo ministro Armando Vara por lavagem de dinheiro e o ex-motorista de Sócrates João Perna por posse ilegal de arma.
Ficaram ilibados na fase de instrução, entre outros, os ex-líderes da PT Zeinal Bava e Henrique Granadeiro, o empresário Helder Bataglia e o ex-administrador do Grupo Lena Joaquim Barroca.
Sócrates acusa “mandante” de Medina no PS de “profunda canalhice” e “covardia moral”
José Sócrates atribuiu as críticas que lhe foram feitas pelo dirigente socialista Fernando Medina ao seu “mandante” na liderança do PS, que acusou de “profunda canalhice” e de “ajustar contas com a sua covardia moral”.
José Sócrates fez estas acusações em entrevista à TVI, sem nunca mencionar o nome do secretário-geral do PS e primeiro-ministro, António Costa, quando confrontado com declarações do presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, na segunda-feira, no seu espaço de comentário também na TVI.
Fernando Medina considerou que o facto de José Sócrates ter sido pronunciado por crimes de branqueamento de capitais e de falsificação de documentos pelo Tribunal Central de Instrução Criminal é inaceitável do ponto de vista ético e corrói a vida democrática.
“Eu ouvi essas declarações e ouvia-as com a devida repugnância. Mas concentremo-nos no essencial, porque o essencial não é esse personagem, o essencial é quem o manda dizer isso. Falemos, portanto, do mandante”, reagiu José Sócrates, que foi secretário-geral do PS entre 2004 e 2011.
De acordo com o antigo primeiro-ministro, “o mandante” de Fernando Medina “é a liderança do PS e a sua direção”.
“Essas declarações dizem tudo sobre o que realmente pensa a direção do PS. Portanto, a direção do PS acha que pode e deve fazer uma condenação sem julgamento, fazer uma condenação sem defesa, esquecendo até o princípio da presunção da inocência base do direito moderno”, declarou José Sócrates.
Mas o antigo líder socialista foi ainda mais longe nas suas críticas, considerando que essas declarações “são de uma profunda canalhice”.
“Isto para mim é penoso, mas quero responder. O PS deveria ter vergonha por desconsiderar direitos, liberdades e garantias fundamentais. Valores que fizeram a cultura política do PS quando lutou pela liberdade em 1975”, disse.
José Sócrates aproveitou ainda para dizer que o fundador do PS, antigo Presidente da República e primeiro líder dos socialistas, Mário Soares, esteve sempre ao seu lado, mesmo durante o processo Operação Marquês.
“Mesmo aí, quando expressou esse companheirismo comigo, por razões não apenas pessoais, mas entendendo que era o seu dever, mesmo aí tentaram desvalorizar essa posição. Tentaram insinuar que ele [Mário Soares] valorizava demasiado a amizade”, alegou.
José Sócrates, em estilo de conclusão, disse que continua a entender que fez bem em abandonar o PS em 2018.
“Já não aguentava mais o silêncio. Grande parte desses que dizem essas coisas estão a ajustar contas com a sua própria covardia moral. Não disseram uma palavra quando fui detido no aeroporto [de Lisboa], com televisões, e com base no argumento do perigo de fuga. Hoje, isso parece ridículo, mas fui preso 11 meses sem acusação”, acrescentou.
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