
Bernard Lawrence Madoff morreu na passada semana com 82 anos num hospital prisional da Carolina do Norte, na mesma semana em que o juiz Ivo Rosa pronunciou a decisão instrutória relativa à Operação Marquês.
Há uma ideia errada em Portugal de que o caso de Madoff é um bom exemplo de eficácia da justiça e há até quem julgue que deveria servir de exemplo para a Operação Marquês. Errado!
A obra de investigação “Too Good to Be True: The Rise and Fall of Bernie Madoff” de Erin Arvedlund, que condensa as décadas de atividades ilícitas de Bernie Madoff e o período após este se ter entregue à polícia pelo seu próprio pé, mostra claramente que o sistema de justiça americano falhou profundamente.
Ao contrário do caso Sócrates, a justiça americana nunca tomou a iniciativa de investigar com profundidade os negócios de Madoff. A prisão de Madoff apenas foi consumada em 2009 após ter chamado a polícia à sua residência de luxo em Nova Iorque e de ter proferido uma confissão cuidadosamente preparada com um dos seus filhos sobre uma parte dos crimes económicos da sua empresa, alegando ter cometido todos os crimes sozinho.
Não foi na sequência de qualquer processo de investigação que Madoff se entregou às autoridades.
Madoff entregou-se porque temia pela sua vida, quando estava a ser quotidianamente ameaçado pelos seus credores que lhe exigiam de volta o dinheiro investido no seu esquema fraudulento, na sequência da crise financeira.
Apresentando-se como culpado de crimes que não estavam a ser alvo de investigação, o processo seguiu para julgamento sem que qualquer investigação fosse lançada para verificar se existiam mais crimes e mais gente envolvida.
A sua entrega voluntária criou assim um impasse no seu processo que apenas permitiria a abertura de um processo de investigação muito tardiamente, possibilitando imensa destruição de prova, ocultação de fundos e inúmeras fugas à justiça de familiares e de mais de uma centena de cúmplices à volta do mundo, de Londres a Singapura.
Pouco mais de meia dúzia foram condenados até hoje.
Por exemplo, Ruth, a sua esposa, que participou desde o início do esquema fraudulento nos anos 60, captando dezenas de investidores, não foi presa, nem condenada, nem sequer investigada.
Durante mais de 50 anos, a entidade reguladora do setor financeiro, a SEC (Securities and Exchange Commission) realizou meia dúzia de visitas muito cordiais ao edifício da Madoff Securities International Ltd., algumas destas após denúncias muito concretas.
Em particular, o andar do crime nunca foi inspecionado devidamente, tratava-se de um piso inteiro onde eram anotadas e registadas todas operações fraudulentas em toneladas de papel e onde propositadamente não existia um único computador ou ligação à internet para não deixar rasto eletrónico da fraude.
Não apenas a SEC falhou redondamente na deteção do esquema fraudulento, como depois da prisão de Madoff não houve qualquer sansão ou investigação aos responsáveis pela atividade da entidade reguladora durante as mais de 5 décadas de fraude e de milhares de milhões perdidos da Madoff Securities.
É legítimo estarmos descontentes com a prescrição de alguns crimes da Operação Marquês, no entanto Sócrates ainda pode incorrer numa pena de prisão até 12 anos e se o recurso do Ministério Público for aceite a moldura penal poderá ser ainda mais pesada.
E se compararmos com a quase inexistente investigação do caso Madoff, pelo menos os investigadores da Operação Marquês foram mais argutos, rápidos a atuar e, ao contrário da SEC, tiveram a coragem de interpelar e algemar uma figura pública muito poderosa.
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